sábado, novembro 21, 2009

Lunário


Beleza Pura - Beatriz Milhazes


Antes de partir, Nému, talvez ainda não seja tarde para começares a regressar. Estou sozinho, ardo na memória das noites em que não te conhecia. E não sei se suportarei o peso de teu rosto ausente sobre o peito, tatuado; e talvez recorde a tua respiração enforcando-me, noite após noite, enquanto durmo. Tua mão escavou o desejo entorpecido nestas débeis veias, e já não sei se sonhamos o mesmo sonho, ou se nos levantamos ao mesmo tempo para o amor, mas ainda te amo.
Aliso tuas pálpebras durante as noites de vigia e sei que uma vida anterior à minha presença as feriu. No entanto, sinto que ainda és capaz de me olhar como se eu contemplasse o mar. De resto, os dias acumulam-se uns sobre os outros, iguais, sob o negro esplendor do sol. E latejamos, além, onde nos perdemos para sempre.
As tuas mãos vestiram as minhas, e fizeram-nas voar de sedução em sedução. Mas, dentro das fotografias, erguem-se pirâmides de cintilantes ossos, pequenas nódoas de memórias, feixes de veias quebradas pelas chuvas… não, não é o solitário canto do noitibó que nos surpreende, nítido, persistente, mas sim o grito que há-de crescer do fundo de nós. E, com o tempo, as mãos, as tuas, cairão também no esquecimento… e delas apenas permanecerá uma sensação de ardor sobre a minha pele.
Na boca reacendo uma navalha de lume para sufocar a solidão, e as palavras que já nada podem revelar, nem ajudar.


in “Lunário” – Al Berto

8 comentários:

Ana disse...

não há muito a dizer de Al Berto pois não?! ;)*

JFDourado disse...

Tu bem me dizias para ler Al Berto, Ana. Gostei muito.
Agora, quando passar por uma livraria, acho que volto acompanhado pelo "O anjo mudo".

:)*

moriana disse...

Livro belissimo sobre a amizade e o amor. Deslumbrou-me quando o li.
Lê os poemas de Al Berto...

bj.
:)

JFDourado disse...

Está anotado, Moriana :)*

Nirvana disse...

Li apenas coisas soltas dele, poemas aqui e ali.
Está anotado ;)
Bjks

JFDourado disse...

Já somos dois a anotar, Nirvana :D*

Anónimo disse...

olá, jorge! que bom reencontrar-te! gostei muito de reler este excerto do al berto. é um poeta que escreveu na asa do silêncio... não achas? um grande beijinho.

JFDourado disse...

Olá Alice :)

Há palavras que flutuam. E nós, lendo-as, também assim seguimos... por momentos mais leves, com olhar triste ou sorrindo, mas sempre a voar... sempre levados pelas asas do poeta...

Um grande beijinho também para ti :)