quinta-feira, janeiro 31, 2008

Pôr-do-sol

Vincent Van Gogh - Sunset

Pétalas de rosas e açucenas, querendo ser pequenas nuvens perfumadas, flutuam em teu redor ao sabor da brisa de um dia que entardece. Acenas ao longe. Tudo apenas um sorriso rútilo de Centáurea. Resplandecente. E por entre as cores garridas de um arco-íris só nosso emerge o teu encanto de Amor-perfeito. Caminhas para mim e deixas-me sem respiração. Por onde passas florescem frondosos jardins de Hortênsias e Buganvílias, e escuta-se o jucundo canto dos Pintassilgos. Estendes a tua mão de encontro à minha. Beijas-me. E por um momento sinto-o como se de novo fosse este o primeiro beijo. Os teus lábios salgados. Os meus, suplicantes. Unidos. E o tempo a não ser tempo. O espaço a não ser espaço. Sentas-te. Bem junto a mim. Palavras. Versos. Poemas. De amor. Depois, em silêncio cúmplice, contemplamos o Sol maiúsculo que se despede tecendo os últimos fios de prata. O mar, cansado, a repousar sob um horizonte matizado em laranjas, violetas e azuis turquesa… Voltamo-nos um para o outro. Olhos nos olhos. E sorrimos…

JFDourado – Pôr-do-sol – 31/01/2008



quarta-feira, janeiro 16, 2008

Saudades


Jules Pascin - Femme en Robe Rose

Magoa-me a saudade

do sobressalto dos corpos

ferindo-se de ternura

dói-me a distante lembrança

do teu vestido

caindo aos nossos pés


Magoa-me a saudade

do tempo em que te habitava

como o sal ocupa o mar

como a luz recolhendo-se

nas pupilas desatentas


Seja eu de novo a tua sombra, teu desejo,

tua noite sem remédio

tua virtude, tua carência

eu

que longe de ti sou fraco

eu

que já fui água, seiva vegetal

sou agora gota trémula, raiz exposta


Traz

de novo, meu amor,

a transparência da água

ocupação à minha ternura vadia

mergulha os teus dedos

no feitiço do meu peito

e espanta na gruta funda de mim

os animais que atormentam o meu sono



Mia Couto - Saudades