Contemplo a mulher adormecida. Ocupa uma metade do terraço, longa e voluptuosamente extensa, constelada de um silêncio que é todo aéreo e ondulante. Em volta o mundo converteu-se num pomar unânime. É um meio-dia interminável. Tudo está imóvel, fixo, como um centro. As superfícies lisas, brancas, sem reflexos, sem sombras. Imperceptível, insondável, é o gesto fulgurante da imobilidade. A intensidade da presença identifica-se com o vazio da ausência. O meu corpo estende o corpo da mulher, enrola-se nas volutas da sua música silenciosa, adere às paisagens brancas do seu sono completo. Imóvel, não procuro palavras, nem as mais leves e transparentes: sinto-me fluído, extremamente aberto. Conheço as sensações da mulher nua: água, terra, fogo e vento. Conheço-a e amo-a através delas, numa relação de felicidade intensa e ao mesmo tempo imponderável. O sono da mulher é de horizontes múltiplos e em si germina o centro abrindo o aberto sem limites.
António Ramos Rosa - Meio-dia
1 comentário:
não sei se saberei comentar.
...pois, não sei mesmo.
.à décima vez talvez
que aqui reouça...
que aqui releia...
~
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