sábado, novembro 10, 2007

Despedida

Gustav Klimt - Acqua Mossa


Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos

quando anunciaste a despedida

e eu que habitara lugares secretos

e me embriagara com os teus gestos

recolhi as palavras vagabundas

como a tempestade que engole os barcos

porque ama os pescadores



Impossível separarmo-nos

agora que gravaste o teu sabor

sobre o súbito

e infinito parto do tempo



Por isso te toco

no grão e na erva

e na poeira da luz clara

a minha mão

reconhece a tua face de sal



E quando o mundo suspira

exausto

e desfila entre mercados e ruas

eu escuto sempre a voz que é tua

e que dos lábios

se desprende e se recolhe



Ali onde se embriagam

os corpos dos amantes

o te ventre aceitou a gota inicial

e um novo habitante

enroscou-se no segredo da tua carne



Nesse lugar

encostámos os nossos lábios

à funda circulação do sangue

porque me amavas

eu acreditava ser todos os homens

comandar o sentido das coisas

afogar poentes

despertar séculos à frente

e desenterrar o céu

para com ele cobrir

os teus seios de neve



Mia Couto – Despedida


2 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

Muito bonito. Embora todo o poema se resuma na primeira estrofe. O resto acaba por ser redundância...


CSD

un dress disse...

.eu acreditava ser todos os homens.


tudo aqui da vida e da morte.

mas sobretudo, tudo aqui do amor.





.obrigada.beijO. :)