quinta-feira, dezembro 28, 2006

Amor da palavra, amor do corpo


Flaming June - Lord Frederick Leighton

A nudez da palavra que te despe.

Que treme, esquiva.

Com os olhos dela te quero ver,

que te não vejo.

Boca na boca através de que boca

posso eu abrir-te e ver-te?

É meu receio que escreve e não o gosto

do sol de ver-te?

Todo o espaço dou ao espelho vivo

e do vazio te escuto.

Silêncio de vertigem, pausa, côncavo

de onde nasces, morres, brilhas, branca?

És palavra ou és corpo unido em nada?

É de mim que nasces ou do mundo solta?

Amorosa confusão, te perco e te acho,

à beira de nasceres tua boca toco

e o beijo é já perder-te.


António Ramos Rosa - Amor da palavra, amor do corpo


quarta-feira, dezembro 20, 2006

Ah, quanta melancolia!


William A Bouguereau - Cupidon


Ah quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!

Que angústia desesperada!
Que mágoa que sabe a fim!
Se a nau foi abandonada,
E o cego caiu na estrada -
Deixai-os, que é tudo assim.

Sem sossego, sem sossego,
Nenhum momento de meu
Onde for que a alma emprego -
Na estrada morreu o cego
A nau desapareceu.


Fernando Pessoa - Ah, quanta melancolia!

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Uns pozinhos de perlim pim-pim


William A Bouguereau - Le ravissement de Psyche



Não sei se é deste tempo, descolorido e monótono, com o Sol a persistir no castigo da sua ausência, mas dei por mim, pensativo, acompanhado apenas pela voz de Nat King Cole.
Seria melhor não ouvir tais músicas. Se fosse mais prudente teria colocado, no cd, uma etiqueta, de um encarnado bem vivo, com o aviso “Altamente perigoso, requer muita precaução no uso”.
Distraído, como sou, falhou essa prudência e agora estou por aqui completamente fascinado, a sonhar estrelas e amores.
Perante a falta de um Sol que alumie tenho que me contentar, entre tristes suspiros, com um ténue e alvidúlcido luar. Este, a espaços, vai rasgando a escuridão de uma noite, que, cada vez mais, se vai tornando sombria e friorenta.
Como eu gostava de o convencer a voltar. Se pudesse, dizia-lhe que se deixasse de castigos injustos. Juntos inventávamos um plano. Seria tudo muito bem pensado. Falávamos com o Inverno. Lembrávamos-lhe que ao longo de todo este tempo nunca faltou sequer um ano ao serviço e que estava mais que na altura de finalmente ter o seu merecido repouso.
Depois era a vez de acordar o Verão. Dizíamos que era uma emergência. Que o Inverno inexplicavelmente havia desaparecido, sem dar notícias, e que alguém tinha que tomar o seu lugar.
A Primavera, sempre preocupada com a sua beleza, não podia porque assim teria que trabalhar dois turnos seguidos. Já o Outono, entre pedidos de desculpa, lembrou que os dias lhe vão pesando e que, se assim fosse, a sua performance certamente ficaria afectada…
Ai, como seria tudo tão fácil se ele quisesse... Bastavam apenas uns pozinhos de perlim pim-pim, alguma loucura e, claro está, uma boa dose de imaginação.
E o sonho, esse deixava de o ser…




JFDourado – Uns pozinhos de perlim pim-pim – 08/12/2006

sábado, dezembro 02, 2006

Que música escutas tão atentamente

John William Waterhouse - Listen to My Sweet Pipings


Que música escutas tão atentamente

que não dás por mim?

Que bosque, ou rio, ou mar?

Ou é dentro de ti

que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,

dizer-te apenas que estou aqui,

mas tenho medo,

medo que toda a música cesse

e tu não possas mais olhar as rosas.

Medo de quebrar o fio

com que teces os dias sem memória.

Com que palavras

ou beijos ou lágrimas

se acordam os mortos sem os ferir,

sem os trazer a esta espuma negra

onde corpos e corpos se repetem,

parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,

ó cheia de doçura,

sentada, olhando as rosas,

e tão alheia

que nem dás por mim.


Eugénio de Andrade – Que música escutas tão atentamente


domingo, novembro 26, 2006

Em todas as ruas te encontro


William A Bouguereau - The nymphaeum

Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te perco

conheço tão bem o teu corpo

sonhei tanto a tua figura

que é de olhos fechados que eu ando

a limitar a tua altura

e bebo a água e sorvo o ar

que te atravessou a cintura

tanto, tão perto, tão real

que o meu corpo se transfigura

e toca o seu próprio elemento

num corpo que já não é seu

num rio que desapareceu

onde um braço teu me procura


Em todas as ruas te encontro

Em todas as ruas te perco


Mário Cesariny - Em todas as ruas te encontro

sábado, novembro 18, 2006

Amo o teu túmido candor de astro


John William Waterhouse - Hylas and the Nymphs

Amo o teu túmido candor de astro

a tua pura integridade delicada

a tua permanente adolescência de segredo

a tua fragilidade sempre altiva


Por ti eu sou a leve segurança

de um peito que pulsa e canta a sua chama

que se levanta e inclina ao teu hálito de pássaro

ou à chuva das tuas pétalas de prata


Se guardo algum tesouro não o prendo

porque quero oferecer-te a paz de um sonho aberto

que dure e flua nas tuas veias lentas

e seja um perfume ou um beijo um suspiro solar


Ofereço-te esta frágil flor esta pedra de chuva

para que sintas a verde frescura

de um pomar de brancas cortesias

porque é por ti que nasço

porque amo o ouro vivo do teu rosto.


António Ramos Rosa - Amo o teu túmido candor de astro

domingo, novembro 12, 2006

Estrela da Tarde


Auguste Renoir - La Promenade


Era a tarde mais longa de todas as tardes que me acontecia

Eu esperava por ti, tu não vinhas, tardavas e eu entardecia

Era tarde, tão tarde, que a boca tardando-lhe o beijo morria.

Quando à boca da noite surgiste na tarde qual rosa tardia

Quando nós nos olhámos, tardámos no beijo que a boca pedia

e na tarde ficámos, unidos, ardendo na luz que morria

Em nós dois nessa tarde em que tanto tardaste o sol amanhecia

Era tarde de mais para haver outra noite, para haver outro dia.


Ary dos Santos – Estrela da Tarde

sábado, novembro 04, 2006

O poder absoluto


William A Bouguereau - Young girl defending herself from Eros

Duas bocas descobrem o veludo incandescente

e saboreiam o sabor perfeito de um fruto liso

que é um sumo do universo. Com a sua espuma constante

os amantes tecem uma abóbada leve de seda e espaço.

Vivem num volume cintilante o presente absoluto.


Corpos encerrados em superfícies delicadas

abrem-se como velas vermelhas e o calor brilha,

clareiras acendem-se numa tranquilidade branca,

os olhos embriagam-se de miríades de cores

e todos os vocábulos são recentes como o orvalho,


Criam a origem pela origem, num corpo duplo e uno,

transformam-se subindo morrendo em verde orgia,

inertes renascem de onda em onda radiantes,

reconhecem-se no vento que os expande e os dissolve,

o mundo é uma brecha um esplendor um redemoinho.


António Ramos Rosa - O poder absoluto


quarta-feira, novembro 01, 2006

A inigualável


John William Waterhouse - Ophelia [lying in the meadow]

Ai, como eu te queria toda de violetas

E flébil de cetim...

Teus dedos longos, de marfim,

Que os sombreassem jóias pretas...

E tão febril e delicada

Que não pudesses dar um passo -

Sonhando estrelas, transtornada,

Com estampas de cor no regaço...

Queria-te nua e friorenta,

Aconchegando-te em zibelinas -

Sonolenta,

Ruiva de éteres e morfinas...

Ah! que as tuas nostalgias, fossem guizos de prata -

Teus frenesis, lantejoulas;

E os ócios em que estiolas,

Luar que se desbarata...

Teus beijos, queria-os de Tule,

Transparecendo carmim -

Os teus espasmos de seda...

- Água fria e clara numa noite azul,

Água, devia ser o teu amor por mim...


Mário de Sá Carneiro - A inigualável

sábado, outubro 28, 2006

Madrigal III


O grito - Edvard Munch

Voai, suspiros tristes;
Dizei à bela Glaura o que eu padeço,
Dizei o que em mim vistes,
Que choro, que me abraso, que esmoreço.

Levai em roxas flores convertidos
Lagrimosos gemidos, que me ouvistes:
Voai, suspiros tristes;
Levai minha saudade;
E, se amor ou piedade vos mereço,
Dizei à bela Glaura o que eu padeço.

Silva Alvarenga - Madrigal III


sábado, outubro 21, 2006

V


Nymphes et satyre - William A Bouguereau


Há cidades cor de pérola onde as mulheres
existem velozmente. Onde
às vezes param, e são morosas
por dentro. Há cidades absolutas,
trabalhadas interiormente pelo pensamento
das mulheres.
Lugares límpidos e depois nocturnos,
vistos ao alto como um fogo antigo,
ou como um fogo juvenil.
Vistos fixamente abaixados nas águas
celestes.
Há lugares de um esplendor virgem,
com mulheres puras cujas mãos
estremecem. Mulheres que imaginam
num supremo silêncio, elevando-se
sobre as pancadas da minha arte interior.

Há cidades esquecidas pelas semanas fora.
Emoções onde vivo sem orelhas
nem dedos. Onde consumo
uma amizade bárbara. Um amor
levitante. Zona
que se refere aos meus dons desconhecidos.
Há fervorosas e leves cidades sob os arcos
pensadores. Para que algumas mulheres
sejam cândidas. Para que alguém
bata em mim no alto da noite e me diga
o terror de semanas desaparecidas.
Eu durmo no ar dessas cidades femininas
cujos espinhos e sangues me inspiram
o fundo da vida.
Nelas queimo o mês que me pertence.
a minha loucura, escada
sobre escada.

MuIheres que eu amo com um desespero fulminante,
a quem beijo os pés
supostos entre pensamento e movimento.
Cujo nome belo e sufocante digo com terror,
com alegria. Em que toco levemente
Imente a boca brutal.
Há mulheres que colocam cidades doces
e formidáveis no espaço, dentro
de ténues pérolas.
Que racham a luz de alto a baixo
e criam uma insondável ilusão.

Dentro de minha idade, desde
a treva, de crime em crime - espero
a felicidade de loucas delicadas
mulheres.
Uma cidade voltada para dentro
do génio, aberta como uma boca
em cima do som.
Com estrelas secas.
Parada.

Subo as mulheres aos degraus.
Seus pedregulhos perante Deus.
É a vida futura tocando o sangue
de um amargo delírio.
Olho de cima a beleza genial
de sua cabeça
ardente: - E as altas cidades desenvolvem-se
no meu pensamento quente.


Herberto Helder - V - Lugar - Poesia Toda

sábado, outubro 14, 2006

Respiro o teu corpo


Nude sdraiato - Amedeo Modigliani


Respiro o teu corpo:
sabe a lua-de-água
ao amanhecer,
sabe a cal molhada,
sabe a luz mordida,
sabe a brisa nua,
ao sangue dos rios,
sabe a rosa louca,
ao cair da noite
sabe a pedra amarga,
sabe à minha boca.

Eugénio de Andrade - Respiro o teu corpo

quinta-feira, setembro 21, 2006

III


O Nascimento de Vénus - William Adolphe Bouguereau


Áspero amor, violeta coroada de espinhos,
Matagal eriçado entre tantas paixões,
Lança das dores, corola da cólera,
Por que caminhos e como chegaste à minha alma?

Porque precipitaste o teu fogo doloroso,
Subitamente, entre as folhas frias do meu caminho?
Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?
Que flor, que pedra, que fumo te indicaram a minha morada?

O certo é que a noite pavorosa tremeu,
A aurora encheu todas as taças com seu vinho
E o sol impôs a sua presença celeste,

Enquanto o cruel amor me cercava sem tréguas
Até que, lacerando-me com espadas e espinhos,
Abriu no meu coração um caminho abrasador.


Pablo Neruda - Cem Sonetos de Amor - III


domingo, setembro 03, 2006

A estrela e os girassóis


Os girassóis - Vincent Van Gogh

Estava sentado num banco do jardim. Tinha acabado de reler um dos cem sonetos de amor de Neruda e, distraído, observava os girassóis. Subitamente, um deles girou o seu caule e a inflorescência ficou virada exactamente para a direcção oposta à do chamado astro-rei. Olhei para os outros girassóis e todos tinham realizado o mesmo movimento. Por momentos, renunciaram ao sol e seguiram uma outra estrela. Ainda intrigado, sem compreender bem o que estava a acontecer, o meu olhar também os acompanhou e foi aí que a vi.
A primeira sensação que tive, ao observá-la, foi uma súbita contracção de todos os músculos do meu corpo.
Tudo o que estava à minha volta deixou de existir. Naquele momento apenas via um enorme clarão, de uma alvura extrema, que a envolvia completamente.
Tinha os cabelos da cor do oiro que descaiam, pelos ombros, em suaves caracóis. Do seu belo rosto sobressaiam uns olhos verdes, como pequenas esmeraldas, e os lábios, tão delicados, que diria esculpidos pelas mãos hábeis de Rodin.
É curioso. Só agora reparo que do seu corpo apenas guardei, na minha memória, uma espécie de contorno. Mais ou menos como um desenho feito com aqueles lápis de grafite 6B da Faber-Castell. Mas posso garantir que era um belo contorno, disso não tenho dúvida alguma.
Quando passou por mim com certeza que viu o meu ar de espanto. A boca entreaberta, os olhos esbugalhados... Cristo, que triste figura a minha. No entanto sorriu para mim. Um sorriso breve e enigmático. Será que ela sorriu pela triste figura, ou foi outro o motivo?
Agora estou de novo no jardim. E ontem também cá estive. Estou sempre à espera. Sempre à espera a olhar para os girassóis. Ansioso por vê-los seguir aquela estrela. A estrela que não consigo esquecer.

JFDourado - A estrela e os girassóis - 03/09/2006

segunda-feira, agosto 28, 2006

O amor, quando se revela


The little White Girl - James Whistler

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há-de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Fernando Pessoa - O amor, quando se revela

segunda-feira, agosto 21, 2006

Mulher magnólia


My sweet rose - John Waterhouse


Pensamentos cativos em mordaças de pétalas rutilantes

Ninfa florida no jardim do sonho escuro

Perdido em suaves perfumes procuro

Uma alvidúlcida luz entre sombras tristes.


Mulher magnólia, entrega a tua seiva de mel quente

Que tão amargo e frio tenho o coração

Liberta com o teu beijo premente

Quem aguarda a flor da paixão.


JFDourado - Mulher magnólia - 21/08/2006

sábado, agosto 12, 2006

Anjo és


Young girls at the seaside - Pierre Puvis de Chavannes


Anjo és tu, que esse poder

Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E a minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher
Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua fronte anuviada
Não vejo a c’roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d’amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é viva e é bela,
Mas a luz não tem. - Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?
Não respondes - e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... Lágrima? - Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De donde?
Em mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu, ou és mulher?

Almeida Garrett - Anjo és

domingo, agosto 06, 2006

A mulher que passa


Madonna - Edvard Munch


Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!

Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.

Vinícius De Moraes - A mulher que passa

sábado, agosto 05, 2006

A dança fingida


Dance at Bougival - Renoir

Breves minutos uniram o improvável par numa dança fingida, eu desajeitado e inseguro com a minha máscara alva, e tu, uma rosa florida em vestido encarnado de cetim.

Como queria encontrar aquele conjunto mágico de palavras capazes de te revelar o que o meu coração sente. Que te amo, sem reservas, desde aquela primeira vez em que os nossos olhares se cruzaram, e tudo passou a fazer sentido. O permanente aperto no estômago porque tu estás sempre presente em mim. Se fecho os meus olhos vejo em fundo preto o contorno do teu rosto a branco. Se os abro, lá estás tu à minha frente, com o teu sorriso sereno, os cabelos pelos ombros, olhos meigos que transmitem segurança, e esses teus lábios de mil promessas que anseio um dia beijar. Amo a luz que irradias, a alegria de viver contagiante, a simplicidade que cativa, a voz doce, o teu perfume, o suave balanço do teu andar, os contornos do teu corpo, as tuas mãos delicadas que sonho enlaçar nas minhas…

As palavras ficaram perdidas no meu pensamento, os breves minutos passaram, a música terminou, e deixamos a nossa dança fingida tal e qual como a iniciamos, eu desajeitado e inseguro com a minha máscara alva, e tu, uma rosa florida em vestido encarnado de cetim.

JFDourado - A dança fingida - 05/08/2006

sexta-feira, agosto 04, 2006

XLIV


Musician Angel - Rosso Fiorentino


Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.

Pablo Neruda - Cem Sonetos de Amor - XLIV