domingo, setembro 03, 2006

A estrela e os girassóis


Os girassóis - Vincent Van Gogh

Estava sentado num banco do jardim. Tinha acabado de reler um dos cem sonetos de amor de Neruda e, distraído, observava os girassóis. Subitamente, um deles girou o seu caule e a inflorescência ficou virada exactamente para a direcção oposta à do chamado astro-rei. Olhei para os outros girassóis e todos tinham realizado o mesmo movimento. Por momentos, renunciaram ao sol e seguiram uma outra estrela. Ainda intrigado, sem compreender bem o que estava a acontecer, o meu olhar também os acompanhou e foi aí que a vi.
A primeira sensação que tive, ao observá-la, foi uma súbita contracção de todos os músculos do meu corpo.
Tudo o que estava à minha volta deixou de existir. Naquele momento apenas via um enorme clarão, de uma alvura extrema, que a envolvia completamente.
Tinha os cabelos da cor do oiro que descaiam, pelos ombros, em suaves caracóis. Do seu belo rosto sobressaiam uns olhos verdes, como pequenas esmeraldas, e os lábios, tão delicados, que diria esculpidos pelas mãos hábeis de Rodin.
É curioso. Só agora reparo que do seu corpo apenas guardei, na minha memória, uma espécie de contorno. Mais ou menos como um desenho feito com aqueles lápis de grafite 6B da Faber-Castell. Mas posso garantir que era um belo contorno, disso não tenho dúvida alguma.
Quando passou por mim com certeza que viu o meu ar de espanto. A boca entreaberta, os olhos esbugalhados... Cristo, que triste figura a minha. No entanto sorriu para mim. Um sorriso breve e enigmático. Será que ela sorriu pela triste figura, ou foi outro o motivo?
Agora estou de novo no jardim. E ontem também cá estive. Estou sempre à espera. Sempre à espera a olhar para os girassóis. Ansioso por vê-los seguir aquela estrela. A estrela que não consigo esquecer.

JFDourado - A estrela e os girassóis - 03/09/2006

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