sábado, julho 17, 2010
Memórias das minhas putas tristes
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Nos meus doze anos, ainda de calças curtas e botinhas da escola primária, não pude resistir à tentação de conhecer os andares superiores enquanto o meu pai se debatia numa das suas reuniões intermináveis, e deparei com um espectáculo celestial. As mulheres que malvendiam os seus corpos até ao amanhecer moviam-se pela casa desde as onze da manhã, quando já a canícula do vitral era insuportável, e tinham que fazer a sua vida doméstica andando em pelota por toda a casa enquanto comentavam aos gritos as suas aventuras da noite. Fiquei aterrorizado. A única coisa que me ocorreu foi escapar por onde tinha vindo, quando uma das despidas de carnes maciças cheirando a sabão barato me abraçou pelas costas e me levou pelo ar até ao seu cubículo de cartão sem que eu a pudesse ver no meio da gritaria e dos aplausos das inquilinas em pêlo. Atirou-me de barriga para cima na sua cama para quatro, tirou-me as calças com uma manobra de mestre e encavalitou-se em cima de mim, mas o terror gelado que me ensopava o corpo impediu-me de a receber como um homem. Naquela noite, acordado na cama da minha casa pela vergonha do assalto, não consegui dormir mais de uma hora com as ânsias de a voltar a ver. Mas na manhã seguinte, enquanto os noctívagos dormiam, subi a tremer até ao seu cubículo e acordei-a a chorar aos gritos, com um amor enlouquecido que durou até que o levou sem piedade a ventania da vida real. Chamava-se Castorina e era a rainha da casa.
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in “Memórias das minhas putas tristes” – Gabriel García Márquez - páginas 109 e 110
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13 comentários:
Ainda não li.
Gostei muito do Amor em tempo de cólera (e li também Cem Anos de Solidão).
tão bom ;) é mesmo à Gabo eheh beijos*
Bem bom este livro! Lá está , um daqueles que é pequeno mas que não perde nada com isso. Gosto muito! :)
Redonda:
Eu também ainda não li "Amor em tempo de cólera" :s
Dele tenho em casa na lista de espera para ler "Os funerais da Mamã grande" e "A incrível e triste história da Cândida Eréndira e da sua avó desalmada" :)
Ana:
É mesmo! Quando li este pedacinho pensei logo que tinha encontrado o excerto certo para colocar no blogue :D
N. Martins:
Os livros não se medem pelo tamanho ;) Também gostei muito de o ler. E ainda por cima é muito divertido :)
sempre tive curiosidade em ler este livro, mas não tive ainda a oportunidade... só que este excerto maravilhoso contribuiu para de novo me aguçar o apetite! obrigada, jorge. um grande beijinho.
Alice:
Eu também já andava para o ler há algum tempo. Trouxe-o comigo quando visitei a feira do livro, no Porto, e não demorei muito tempo para pegar nele :) Um grande beijinho :)
Pois, este ainda não li...fiquei curiosa!Queres espreitar o meu blog?
http://otempoentreosmeuslivros.blogspot.com
Boas leituras!
ora ora, entrei aqui e pensei..."oi... enganei-me no site" ;)
gosto do novo visual :) laranja fogo ;) eheh beijo*
A ideia era utilizar tons de dourado ;)
Tenho que afinar melhor a cor :)
já li há uns aninhos...
tem um estilo completamente oposto do Autor húngaro sobre quem falo no último post. Este +e um autor solar, esfuziante de prosa quente especialista na sátira. O outro, lunar, passional, especialista dos meandros que envolvem as contradições dos desejos da alma humana, das suas pulsões, das oportunidades perdidas dos medos, das mudanças estruturais. Um autor que capta a forma como nadamos nas águas turbulentas do devir da História.
CSD
já li há uns aninhos...
tem um estilo completamente oposto do Autor húngaro sobre quem falo no último post. Este +e um autor solar, esfuziante de prosa quente especialista na sátira. O outro, lunar, passional, especialista dos meandros que envolvem as contradições dos desejos da alma humana, das suas pulsões, das oportunidades perdidas dos medos, das mudanças estruturais. Um autor que capta a forma como nadamos nas águas turbulentas do devir da História.
CSD
este nunca li.
abriu-se o apetite!
um abraço
Adoro o Gabriel...e as Minhas Putas Tristes é fabuloso estica a moral e a pureza dos nossos sentimentos... Será que nenhum de nós consegue viver toda uma vida sem sucumbir a um pecado ou a uma tentação obscena?
Aprendi, também, que nunca se é velho demais para se aprender a amar, porque afinal a velhice é apenas um estado comprovativo de que já vivemos mais do que outros e que ainda outro tempo mais temos por viver... Também a idade é insignificante neste sentimento que é o amor porque, na realidade, o mais importante revê-se nos detalhes e na dedicação, no esforço por agradar e por saber conseguir o que queremos sem pedi-lo.
Amar é querer viver mais, para nunca largar algo com que não podemos viver sem!
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