Quantas vezes, amor, te amei sem te ver e talvez sem me lembrar,
sem reconhecer teu olhar, sem olhar-te, centáurea,
em regiões hostis, num meio-dia ardente:
tu eras só o aroma dos cereais que amo.
Vi-te talvez, imaginei-te ao passar erguendo uma taça
em Angol, à luz da lua de Junho,
ou eras tu a cintura daquela guitarra
que toquei nas trevas e soou como o mar desmedido.
Amei-te sem o saber, e procurei a tua memória.
Nas casas vazias entrei com lanterna para roubar o teu retrato.
Mas eu já sabia como eras. De repente
enquanto ias comigo toquei-te e a minha vida parou:
estavas diante de mim, reinando sobre mim, e ainda reinas.
Como fogueira nos bosques, o fogo é o teu reino.
Pablo Neruda – XXII - Cem sonetos de amor
2 comentários:
Egon Schiele e Pablo Neruda é uma combinação estranha...
aqui ficou brilhante.
Claro que só podia ser Neruda!
Adoro lê-lo em voz alta, mas em castelhano.
O impacto é brutal...
CSD
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