sábado, abril 19, 2008

Recuso os sonhos que te ignoram


Annouchka Brochet - The Kiss3

Recuso os sonhos que te ignoram e os desejos que não possas despertar. Não quero fazer um gesto que não te louve, nem cuidar uma flor que não te enfeite; não quero saudar as aves que ignorem o caminho da tua janela, nem beber em ribeiros que não tenham acolhido o teu reflexo. Não quero visitar países que os teus sonhos não tenham percorrido como taumaturgos vindos de fora, nem habitar cabanas, que não tenham abrigado o teu repouso. Nada quero saber de quem te precedeu em meus dias, nem dos seres que aí permanecem.

in “Correspondência Amorosa – Rainer Maria Rilke a Lou Andreas-Salomé”

domingo, abril 06, 2008

O velho que lia romances de amor


Martin Johnson Heade - Cattleya Orchid and Three Brazilian Hummingbirds


- Olha, com toda a confusão do morto já quase me esquecia. Trouxe-te dois livros.
Os olhos do velho iluminaram-se.
- De amor?
O dentista fez que sim.
António José Bolívar Proaño lia romances de amor, e em cada uma das suas viagens o dentista abastecia-o de leitura.
- São tristes? – perguntava o velho.
- De chorar rios de lágrimas – garantia o dentista.
- Com pessoas que se amam mesmo?
- Como ninguém nunca amou.
- Sofrem muito?
- Eu quase não consegui suportar – respondia o dentista.
Mas o doutor Rubicundo Loachamín não lia os romances.
Quando o velho lhe pediu o favor de lhe trazer leitura, indicando muito claramente as suas preferências – sofrimentos, amores infelizes e desfechos felizes - , o dentista sentiu que estava perante um encargo difícil de cumprir.
Pensava em como seria ridículo entrar numa livraria de Guaiaquil e pedir: “Dê-me um romance bem triste, com muito sofrimento por causa do amor e com um final feliz”. Haviam de tomá-lo por um velho maricas, e a solução veio ele a encontrá-la inesperadamente num bordel da marginal.
O dentista gostava de pretas, primeiro porque eram capazes de dizer palavras que punham de pé um pugilista KO e, segundo, porque não suavam na cama.
Uma tarde, estava ele a retouçar com Josefina, uma esmeraldina de pele brilhante como a de um tambor. Quando viu um lote de livros arrumados em cima da cómoda.
- Tu lês? – perguntou.
- Leio. Mas devagarinho – respondeu a mulher.
- E quais são os livros de que gostas mais?
- Os romances de amor – respondeu Josefina, acrescentando os mesmos gostos de António José Bolívar. A partir dessa tarde Josefina foi alternando os seus deveres de dama de companhia com os de crítico literário e, de seis em seis meses, seleccionava os dois romances que, na sua opinião, proporcionavam maiores sofrimentos, os mesmos que mais tarde António José Bolívar Proaño lia na solidão da sua choça diante do rio Nangaritza.
O velho recebeu os livros, examinou as capas e declarou que gostava.


In “O velho que lia romances de amor” – Luis Sepúlveda