sexta-feira, novembro 16, 2007

Nua

Amadeo Modigliani - La Belle Romaine

Nua és tão simples como uma de tuas mãos,

lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,

tens linhas de lua, caminhos de maçã,

nua és magra como o trigo nu.


Nua és azul como a noite em Cuba,

tens trepadeiras e estrelas no pêlo,

nua és enorme e amarela

como o verão numa igreja de ouro.


Nua és pequena como uma de tuas unhas,

curva, subtil, rosada até que nasça o dia

e te metes no subterrâneo do mundo


como num longo túnel de trajes e trabalhos:

tua claridade se apaga, se veste, se desfolha

e outra vez volta a ser uma mão nua.


Pablo Neruda - Nua

sábado, novembro 10, 2007

Despedida

Gustav Klimt - Acqua Mossa


Aves marinhas soltaram-se dos teus dedos

quando anunciaste a despedida

e eu que habitara lugares secretos

e me embriagara com os teus gestos

recolhi as palavras vagabundas

como a tempestade que engole os barcos

porque ama os pescadores



Impossível separarmo-nos

agora que gravaste o teu sabor

sobre o súbito

e infinito parto do tempo



Por isso te toco

no grão e na erva

e na poeira da luz clara

a minha mão

reconhece a tua face de sal



E quando o mundo suspira

exausto

e desfila entre mercados e ruas

eu escuto sempre a voz que é tua

e que dos lábios

se desprende e se recolhe



Ali onde se embriagam

os corpos dos amantes

o te ventre aceitou a gota inicial

e um novo habitante

enroscou-se no segredo da tua carne



Nesse lugar

encostámos os nossos lábios

à funda circulação do sangue

porque me amavas

eu acreditava ser todos os homens

comandar o sentido das coisas

afogar poentes

despertar séculos à frente

e desenterrar o céu

para com ele cobrir

os teus seios de neve



Mia Couto – Despedida