quarta-feira, abril 25, 2007

V


William A Bouguereau - Amour a laffut

Que a noite te não toque, nem o ar nem a aurora,

só a terra, a virtude dos cachos,

as maçãs que crescem ouvindo a água pura,

a lama e as resinas do teu país fragrante.


De Quinchamali onde te moldaram os olhos

aos teus pés para mim criados na fronteira

tu és a argila escura que conheço:

nas tuas ancas toco de novo todo o trigo.


Tu não sabias talvez, araucana,

que quando antes de amar-te me esqueci dos teus beijos

o meu coração ficou lembrando a tua boca


E andei como um ferido pelas ruas

até perceber que havia encontrado,

amor, meu território de beijos e vulcões.


Pablo Neruda - V - Cem sonetos de amor

sexta-feira, abril 13, 2007

A Boca as Bocas


Pablo Picasso - The Kiss

Apenas

uma boca. A tua Boca

Apenas outra, a outra tua boca

É Primavera e ri a tua boca

De ser Agosto já na outra boca


Entre uma e outra voga a minha boca

E pouco a pouco a polpa de uma boca

Inda há pouco na popa em minha boca

É já na proa a polpa de outra boca.


Sabe a laranja a casca de uma boca

Sabe a morango a noz da outra boca

Mas sabe entretanto a minha boca


Que apenas vai sentindo em sua boca

Mais rouca do que a boca a minha boca

Mais louca do que a boca a tua boca.


David Mourão-Ferreira - A Boca as Bocas



domingo, abril 01, 2007

Teu corpo principia


William A Bouguereau - The first kiss

Dou-te um nome de água

para que cresças no silêncio.


Invento a alegria

da terra que habito

porque nela moro.


Invento do meu nada

esta pergunta.

(Nesta hora, aqui.)


Descubro esse contrário

que em si mesmo se abre:

ou alegria ou morte.


Silêncio e sol – verdade,

respiração apenas.


Amor, eu sei que vives

num breve país.


Os olhos imagino

e o beijo na cintura,

ó tão delgada.


Se é milagre existires,

Teus pés nas minhas palmas.


Ó maravilha, existo

no mundo dos teus olhos.


Ó vida perfumada

Cantando devagar.


Enleio-me na clara

dança do teu olhar.


Por uma água tão pura

vale a pena viver.


Um teu joelho diz-me

a indizível paz.



António Ramos Rosa - Teu corpo principia