sábado, setembro 18, 2010

A viagem do elefante


Faun Whistling to a Blackbird - Arnold Böcklin


Escarranchado na nuca do elefante, com o saco entre as pernas, vestido agora com a sua suja indumentária de trabalho, observava com soberba de vencedor a gente que o olhava de queixo caído, sinal absoluto de pasmo segundo se diz, mas que, em verdade, talvez por absoluto ser, nunca pôde ser observado na vida real. Quando montava o Salomão, a subhro sempre lhe havia parecido que o mundo era pequeno, mas hoje, no cais do porto de Génova, alvo dos olhares de centenas de pessoas literalmente embevecidas pelo espectáculo que lhes estava sendo oferecido, quer com a sua própria pessoa quer com o animal em todos os aspectos tão desmedido que obedecia às suas ordens, fritz contemplava com uma espécie de desdém a multidão, e, num insólito instante de lucidez e relativização, pensou que, bem vistas as coisas, um arquiduque, um rei, um imperador não são mais do que cornacas montados num elefante.


in “A viagem do elefante” – José Saramago – páginas 178 e 179