quarta-feira, agosto 19, 2009

Jesusalém


La Femme au Canapé - Kees van Dongen


A dor de um fruto já tombado, é isso que eu sinto. O anúncio da semente, é isso que espero. Como vês eu me aprendo árvore e chão, tempo e eternidade.
- És parecida com a Terra. Essa é a tua beleza.
Era assim que dizias. E quando nos beijávamos e eu perdia respiração e, entre suspiros, perguntava: em que dia nasceste? E me respondias, voz trémula: estou nascendo agora. E a tua mão ascendia por entre o vão das minhas pernas e eu voltava a perguntar: onde nasceste? E tu, quase sem voz, respondias: estou nascendo em ti, meu amor. Era assim que dizias. Marcelo, tu eras um poeta. Eu era a tua poesia. E quando me escrevias, era tão belo o que me contavas que me despia para ler as tuas cartas. Só nua eu te podia ler. Porque te recebia não em meus olhos, mas com todo o meu corpo, linha por linha, poro por poro.


in “Jesusalém” – Mia Couto

6 comentários:

ivone disse...

só como mia couto sabe tão bem escrever

Nirvana disse...

"-És um poeta, Marcelo.
-Não digas mais isso.
-E porquê?
-A poesia é uma doença mortal."

Mia Couto escreve como só ele sabe, e neste livro transporta-nos para o mundo único do afinador de silêncios.
Talvez devessemos também nós aprender que "a vida não foi feita para ser pouca e breve. E o mundo não foi feito para ter medida."
Um livro que vale a pena ler.
Bjks

JFDourado disse...

Sim, vale bem a pena. Neste livro ele altera um pouco o estilo da sua escrita, não é?! Nos outros bastava lermos umas linhas para percebermos que o escritor era Mia Couto. E eu gostava muito dessa forma de escrever, a tal prosa a fugir para a poesia... Mas mesmo assim este continua a ser um bom romance, sem dúvida! :)

purita disse...

por acaso fico com alguma curiosidade!um beijo!

Ana disse...

uau :) provoca um arrepio esta passagem... imagino o resto ;)*

Unknown disse...

Uma vez disse aqui que é grande o M. Tavares. Hoje digo imenso o Mia Couto. Uma escrita poética diz bem. Fiquei surpreendido por não me arrebatar a sua poesia, publicada na colecção da Visão. Acho que a sua maior poética mora toda na sua ficção.